Apesar de não sorrirmos desde uma manhã qualquer, em que acordei a teu lado, ficou-me na boca um tragozinho a esse sorriso. Como se os sorrisos tivessem sabor e me tivesses deixado o teu, antes de te ires embora, antes de dizeres que me amavas, antes até de eu te ver desaparecer na escuridão que ficava para lá da porta.

Sei que o coração murmurou, mas na altura não o ouvi.
Levei os dedos aos lábios como que para calar a tua ausência. Senti nos lábios o sabor dos sorrisos que me ofereceste, e na pele o odor inigualável a ti.
Sentia-me cansada. Não percebia bem porquê, e também não tentei perceber. Por vezes preferimos nem saber a verdadeira essência das coisas; a maior arma do ser humano, é mesmo poder escolher entre a lucidez introspectiva e a inconsciência.
Era um cansaço mental, que, estranhamente, me invadia a alma; reparei que estava estranha, fora do normal, como se a alma se pudesse revoltar e vingar-se em mim, no meu corpo, aproveitando algum momento da sua coexistência diária.
Apesar disso eu sorri, quando pensei em ti.
Havia uma vontade enorme de sono, no corpo... e um desejo íntimo de não pensar na alma, na sua revolta, no seu desassossego. Podia descansar e acordar sem alma, não precisava dela de qualquer forma. Nem sabia bem a que é que chamavam alma.

Sorridente e um tanto ou quanto inquieta, deixei-me adormecer. Os meus sonhos foram toldados por cores assustadoramente escuras e por lágrimas brilhantes e duras, parecidas com diamantes, que me queimavam o rosto e me arrefeciam o corpo, semi-adormecido; a minha silhueta pálida e fria, sobressaía no meio daqueles lençois negros que sabiam aos teus sorrisos e a pesadelos indesejados.
Conseguia ver-me, mas não me reconhecia... Esqueci o meu nome, o som da minha voz, o bater compassado do meu coração. Eu, não era eu. E a luz que pousava nas paredes frias, doía-me nos olhos. Ardía-me na pele. Esmagava-me por dentro. Mas eu não sabia porquê. E desta vez, não era retórica, precisava mesmo de saber porquê.
Foi então que aprendi a escutar os murmúrios do coração...



4 remember with me:

Ana disse...

Nem toda a gente aprende a escutar o coração.
Belo texto.

*

Inês disse...

... difícil, né?
Belo texto, um abraço pra vc!
Inês.

Elisa disse...

os murmúrios do coração não são fáceis de escutar nem de entender...

Carla disse...

lindo...e nem sempre é fácil ouvirmos a voz silenciosa, mas extremamente poderosa do coração
beijos em desalinho, neste meu regresso